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segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Um pouco sobre os números primos: Teorema Fundamental da Aritmética

 Um dos Teoremas mais importantes ensinados no Ensino Fundamental é o Teorema Fundamental da Aritmética - TFA. Contudo, mesmo em turmas mais avançadas, não se vê sequer uma demonstração ou justificativa do TFA. Então, o presente post será exposto uma demonstração elementar do TFA. Usaremos como base axiomática o Princípio da Boa Ordenação - PBO. Tal princípio diz que dado um subconjunto X não vazio de \mathbb{N} então X possui o menor elemento ou elemento mínimo de X

Lema 1: O menor divisor positivo maior do que 1 de um número natural n é um número primo. 

Demonstração.

Seja D o conjunto dos divisores positivos de um número natural n. Observe que, D\setminus \{1\}\neq \varnothing, pois n \in D\setminus\{1\}. Logo, pelo PBO existe p_0 \in D\setminus\{1\} tal que p_0 \leq x para todo x \in D\setminus \{1\}. Suponha por absurdo que p_0 não é primo. Então existe um natural positivo d não trivial tal que d|p_0 \Rightarrow d|n. Portanto, d\in D\setminus \{1\}. Contudo, d<p_0 o que é uma contradição, pois p_0 é o menor elemento de D\setminus \{1\}. Logo, p_0 é um número primo. \square

TFA parte 1 (existência). Todo número natural n>1 é um número primo ou pode ser escrito como o produto de números primos. 

Demonstração.

Seja n>1 um número natural. Se n é primo não precisamos fazer nada. Pelo Lema 1 seu menor divisor não trivial é um primo p_1. Logo, n pode ser escrito da forma 

n=k_1\cdot p_1, k_1 \in \mathbb{N}.

Se k_1=1 então n=p_1 e encerramos o processo. Caso contrário pegamos o menor divisor positivo não trivial de k_1 que, pelo Lema 1 é um primo p_2. Logo, 

n=k_2\cdot p_1\cdot p_2, k_2 \in \mathbb{N}.

Se k_2=1 então n=p_1\cdot p_2 e terminamos, caso contrário repetimos o procedimento. Em algum momento esse processo terminará, pois, n>k_1>k_2>\cdots>k_j>\cdots>1. Em outras palavras, como k_j \in [1,n) e esse é um intervalo finito de números naturais em algum momento teremos um i tal que k_i=1. Logo, para cada n temos

n=p_1\cdot p_2\cdot p_3\cdots p_i ,

com p_1,p_2, ...,p_i primos. \square

Proposição 1 Sejam a,b \neq 0 naturais. Se p é primo e p|ab então p|a ou p|b

Demonstração. 

Suponha, por absurdo, que ab é o menor produto tal que p\not |a e p\not | b, mas p|ab. Observe que, mdc(a,p)=1 e mdc(b,p)=1. Então, existem k_1,k_2,r_1,r_2 \in \mathbb{N} tais que a=pk_1+r_1 e b=pk_2+r_2 com 0< r_1,r_2<p, como a e p são coprimos isso implica que mdc(r_1,p)=1, de modo análogo, mdc(r_2,p)=1. Por outro lado, ab=p^2k_1k_2+p(k_1+k_2)+r_1r_2. Por hipótese, p|ab logo, p|ab \Rightarrow p|(ab-(p^2k_1k_2+p(k_1+k_2)) \Rightarrow p|r_1r_2. Porém, r_1r_2<ab, contradição. Logo, se p é primo e p|ab então p|a ou p|b. \square 

Corolário 1 Se p é primo e p|(a_1a_2\cdot ... \cdot a_k), então p|a_i para algum i\in \{1,2,...,k\}

Demonstração. 

Suponha que p|(a_1a_2\cdot ... \cdot a_k). Note que, p divide a_1\cdot(a_2a_3\cdot ... \cdot a_k). Pela Proposição 1 isso implica que p|a_1 ou p|(a_2a_3\cdot ... \cdot a_k). Se p|a_1 terminamos. Caso contrário, p divide a_2\cdot (a_3a_4\cdot ... \cdot a_k). E, novamente, utilizando a Proposição 1 temos que p|a_2 ou p|(a_3a_4\cdot ... \cdot a_k). Se p divide a_2 encerramos o processo. Caso contrário, replicamos a técnica e nos valemos novamente da Proposição 1. Em algum momento o processo termina para algum a_i, isto é, p|a_i. Pois k é finito e esse processo não pode ocorrer para sempre. Na pior hipótese chagamos em a_{k-1}a_k ao reaplicarmos o procedimento k-2 vezes. E assim, concluímos que ou p|a_{k-1} ou p|a_k, pela proposição 1. \square

TFA parte 2 (unicidade). Todo número natural n>1 é primo ou pode ser escrito de forma única, a menos da ordem de seus fatores, como o produto de números primos. 

Demonstração. 

Suponha, por absurdo, que n é o menor número que possui duas fatorações distintas em fatores primos. Em outras palavras, n=p_1p_2\cdots p_s=q_1q_2\cdots q_r onde p_i e q_j são primos para cada i,j \in \mathbb{N}. Pelo Corolário 1, p_1|q_j para algum j. Pode-se supor, sem perde de generalidade, que p_1|q_1. Portanto, p_1 \in \{1,q_1\}, visto que, q_1 é primo, logo, possui apenas dois divisores. Além disso, p_1>1 pois p_1 é primo. Consequentemente, p_1=q_1. Assim, 

\dfrac{n}{p_1}=p_2p_3\cdots p_s=q_2q_3\cdots q_r.

Logo, n/p_1 possui duas decomposições distintas em fatores primos, porém, n/p_1<n. Contradição. \square 

Desafios 

3) (OBMEP - banco de questões 2010) Qual é o maior fator primo de 2016?

4) (OBMEP - banco de questões 2010) Se a, b e c são números inteiros positivos tais que 3a = 4b = 7c, qual é o menor valor possível de a + b + c?

Referências

MARTINEZ, F. B. et al. Teoria dos Números: um passeio com primos e outros números. IMPA, Rio de Janeiro, 5ª edição, 2018.

Banco de Questões. Disponível em: OBMEP - Banco de Questões


domingo, 5 de novembro de 2023

Um pouco sobre os números primos: Um algoritmo para determinar a primalidade de um número natural

Sabemos que existem infinitos números primos. Mas, como podemos determinar se um número natural n é primo ou composto? Uma possibilidade é testar candidatos a divisores e exibir um divisor não trivial, isto é, um divisor diferente de 1 e n. Neste post nos restringimos aos divisores inteiros positivos. Mas não precisamos exaurir a lista de todos os inteiros de 2 até n-1. Podemos nos valer do  Crivo de Eratóstenes. No nosso caso vamos usar um versão mais fraca.

Proposição [1] Se n é composto então existe um divisor d não trivial tal que d\leq\sqrt{n}

Demonstração. 

Suponha por absurdo que n é um número composto e que não possui divisor não trivial menor ou igual do que \sqrt{n}. Portanto, existem a,b \in \mathbb{N} tais que n=a\cdot b e a,b>1. Por outro lado, a>\sqrt{n} e b>\sqrt{n}, assim, n=a\cdot b>\sqrt{n}\cdot \sqrt{n}=n . Contradição. Logo, n possui pelo menos um divisor não trivial menor ou igual do que \sqrt{n}.\,\,\, \square

Por outro lado, se n é primo ele não possui divisor não trivial menor ou igual do que \sqrt{n}. Então basta buscar candidatos a divisores de 2 até [\sqrt{n}], onde [\sqrt{n}] é o maior inteiro positivo menor ou igual do que \sqrt {n}. Podemos simplificar mais ainda testando o dois e em seguida somente os ímpares da nossa lista restrita. A seguir vamos exibir um código em C que determina se o número é primo ou composto adaptado de um código disponibilizado pelo IME.

Algoritmo 

________________________________________________________

#include <stdio.h>

int main() 

int num,divisor,ehprimo,cont,resultado, resto;

printf("Por favor digite um numero inteiro==>"); 

scanf("%d",&num);

if((num<=1)||(num!=2 && num%2==0)) 

 { 

 ehprimo=0; 

 printf ("\n seu número ou é par e distinto de 2 ou é menor que 2.");

 } 

else 

 { 

 ehprimo=1; 

 } 

divisor=1;

cont=0;

resultado=num;

while((ehprimo==1)&&(divisor<=resultado)&&(num!=2)) 

 {

 divisor=divisor+2;

 resultado=num/divisor;

 resto=num%divisor; 

 printf("\n candidato a divisor %d, parte inteiro %d",divisor,resultado);

 

 printf(", resto %d ",resto); 

 cont ++;

 if(num%divisor==0)

 ehprimo=0;

 } 

 else 

 { 

 ehprimo=1; 

 } 

 } 

 if((num%2!=0)&&(num>1))

 {

 printf ("\n foram realizadas %d divisões",cont);

 }

if(ehprimo==1) 

 { 

 printf("\n %d eh primo", num); 

 } 

else 

 { 

 printf("\nO %d nao eh primo.",num);

 } 

return 0; 

}

________________________________________________________

O código funciona, porém, tem custo computacional O(\sqrt{n}).


Desafio

2) (OIbM 2014) Dado um conjunto X e uma função f:X \to X denotamos, para cada x \in X, f^1(x)=f(x) e, para cada j \geq 1, f^{f(j+1)}(x)=f(f^j(x)). Dizemos que a \in X é um ponto fixo de f se f(a)=a. Para cada número real x, definimos \pi(x) como o número de primos positivos menores ou iguais a x. Dado um número positivo n, dizemos que f:\{1,2,3,...,n\} \to \{1,2,3,...,n\} é catracha se f^{f(k)}(k)=k para todo k\in\{1,2,3,...,n\}. Prove que:

a) Se f é catracha, então f tem pelo menos \pi(n)-\pi(\sqrt{n})+1 pontos fixos. 

b) Se n\geq 36, então existe uma função catracha com exatamente \pi(n)-\pi(\sqrt{n})+1 pontos fixos. 


Referências 

MAC-110 -  Numero Primo  - Três solucoes para o mesmo problema. Disponível em: ime.usp.br/~yw/2012/mac110/material/primo.html.

MARTINEZ, F. B. et al. Teoria dos Números: um passeio com primos e outros números. IMPA, Rio de Janeiro, 5ª edição, 2018.

Provas e gabaritos. Disponível em: OBM - Olimpíada Brasileira de Matemática


Um pouco sobre os números primos: Infinitude dos números primordiais

Número primo é todo número natural maior do que 1 que possui exatamente dois divisores o 1 e ele próprio. São exemplos de primos os números 2,3,5,7 e 11. Se um número não é primo ele é composto. Vamos discutir sobre a infinitude da quantidade de tais números. Muitas vezes essa informação é dada como um dogma na escola de tal modo que parece óbvio a existência de infinitos números primos e esse não é um fato trivial.

Bem, mas por que se questionar sobre a infinitude dos números primos? À primeira vista, pode-se conjecturar que não existem infinitos números primos. De fato, de 1 até 10 existem 4 números primos, isto é, 40% dos 10 primeiros números naturais são primos. De 1 até 100 temos 25 primos, de 40% passamos a ter uma proporção de 25%. Já de 1 até 1000 notamos 168 números primos, assim a proporção de números primos neste intervalo é 16,8%. Se continuarmos vamos notar que menos de 3,77% do primeiro trilhão de números são primos. Isso dá a ideia de que eles se tornam mais raros. 

Densidade dos números primos. 

De sorte que, 1/\ln(x) é a densidade média dos números primos no intervalo de 1 até xEntão, possivelmente se tornam tão raros que sumam, visto que, 1/ln(x) \to 0 quando x \to + \inftyOutro fato que colabora para suspeitarmos da infinitude dos primos é o fato de existirem desertos de números primos. Podemos criar intervalos tão grandes quanto queremos de números consecutivos compostos. Basta considerarmos o conjunto,

A=\{(n+1)!+2, (n+1)!+3, (n+1)!+4, ..., (n+1)!+(n+1)\}.

Com n \in \mathbb{N}. Este subconjunto dos naturais é formado por n números consecutivos compostos. De fato, podemos garantir que (n+1)!+2 é divisível por 2, que o (n+1)!+3 é divisível por 3 e assim sucessivamente. Bem, como exemplo numérico podemos criar uma sequência de 1000 números consecutivos e compostos,

B=\{1001!+2, 1001!+3, ..., 1001!+1000, 1001!+1001\}.

Por fim a verdade:

Apesar de todos os possíveis indícios gerados por nossa investigação acima, sabemos que nossa suspeita é falsa. A demonstração a seguir é creditada a Euclides, mas não é, de fato, dele. A demonstração de Euclides é construtiva, então nossa demonstração é na realidade uma adaptação. Por simplicidade faremos por redução ao absurdo.

Demonstração:

Suponha por absurdo que há uma quantidade finita de números primos. Seja o conjunto P=\{p_1,p_2,...,p_n\} onde p_i é primo para todo i=1,2,...,n e p_1=2<p_2<....<p_n. Isto é, P é o conjunto de todos os números primos. Agora considere,

N=p_1p_2...p_n.

Também consideremos o número natural N+1. Por hipótese N+1 não é primo pois p_n é o maior número primo e N+1>p_n \Rightarrow N+1 \notin P. Então, pelo Teorema fundamental da Aritmética existe pelo menos um p_i \in P para algum i, tal que p_i|(N+1). Mas, por outro lado p_i| N \Rightarrow p_i|(N+1)-N \Rightarrow p_i|1, o que é um absurdo pois p_i>1. Portanto, existem infinitos números primos.\,\,\,\square

 

Um pequeno desafio:

1) Mostre que existem infinitos primos da forma 4k+3 com k \in \mathbb{N}.

A solução será postada em breve! 


Referências 

MARTINEZ, F. B. et al. Teoria dos Números: um passeio com primos e outros números. IMPA, Rio de Janeiro, 5ª edição, 2018.


Um pouco sobre os números primos: Teorema Fundamental da Aritmética

 Um dos Teoremas mais importantes ensinados no Ensino Fundamental é o Teorema Fundamental da Aritmética - TFA. Contudo, mesmo em turmas mais...